Soberania de instantes

Posted by Fabrício Persa on 23 fevereiro, 2008
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Aquele exato momento tinha se tornado tão eterno quanto à própria eternidade.

Não é normal acordar, abrir a janela e dar logo de cara com um destemido beija-flor, com as cores mais vivas que um próprio holofote e um sacudir de asas tão constantes e sonoras que se torna difícil imaginar algo de tamanha sutileza.

Era como se fosse um prelúdio da Nona sinfonia de Beethoven decorado por árvores e arbustos da décima categoria de beleza, por que, então, tudo se tornou igualmente belo como aquele pássaro matutino.

Da memória se retiraram sumariamente o horário do trabalho, as escovas e pastas de dentes, a comida da manhã, as preocupações do resto do dia... Subtrairam-se todas as vontades e só restou uma, a da contemplação. Subtraiu ainda mais a capacidade de diferenciação entre qualquer coisa e nada. Tudo inexistia.

A sobre naturalidade não estava no animal. Mas na janela, na visão da janela, no amanhecer do dia, no lisonjeio que marcou insanamente a sua estima.

Os olhos passeavam pelos buracos que lhe pertenciam em busca do último flagrante, de cada ato daquele ser pequenino que não lhe cabia nos sonhos, deveras pesadelos urbanos. No quarto adentrou um silêncio ininterrupto, devido aos barulhos internos e externos que cessaram horizontalmente em direção à copa das árvores, um silêncio que percorria toda a casa e seus pensamentos. Um calar profundo dos pensamentos. Uma anestesia corporal automática. Uma pausa no mundo. Uma ópera calma de bater das asas.

O beija-flor sumiu dentre folhas e galhos, seguiu o seu destino de primaveras e ares poluídos, aterrisou para sempre nas lembranças de um ser desconhecido.



Quando menos espera... O beija-flor acerca-se das suas idéias e ele lembra do silêncio, do sossego, da duração dos instantes. Uma calma depois desse acontecido começou a habitar assiduamente no seu ser mais intrínseco. Uma soberania simples diante de todos os outros homens se espalhou pelos seus sentidos e, toda manhã, agora, ele abre a janela à espera do seu mais novo amigo íntimo, na expectativa de mais um registro de intensa excelência.


Fabrício Persan

  1. No fundo a gente sempre espera que o ínfimo-colossal do mundo nos retire as dores da criatura. E quando isso ocorre, o bom mesmo é singrar mares de contemplação intensa ao lado dos "seres da vida".

    Um texto singelo em ser verdadeiro.

    Muito bom, meu camarada!

    Abraços pernambucanbaianos...

    Apareça!

    Germano.
    www.clubedecarteado.blogspot.com

  1. e a vida sempre insistindo em nos apresentar prova da sua existência. poucos de nós temos olhos para reconhecer esses momentos em meio a escovas e pantas de dente, cereal matutinos e jornal da manhã.
    sempre que um momento desse me presenteia eu dou uma risadinha tímida, como se me sentisse pequena, impotente demais frente a "tudo isso". como se todos os meus problemas (os que eu acredito ter) parecessem pequenos demais...e alguém quisesse me mostrar isso.
    parabéns pelo olhar.
    mariah

  1. Sempre adimirei as pessoas que sabiam escrever de forma poetica. Gostaria de conseguir fazer o mesmo mas não sabia como.

    Após ler os dois ultimos textos desse blog, esse um deles, minha ficha com relação a uma coisa: um poema é construido em cima de detalhes.

    São os detahes que são o corpo de um poema, por isso, percebi que minha deficiência em conseguir escreve-lo reside na falta de atenção aos detalhas da vida.

    Deste poema fica uma lição: É preciso enxergar mais e olhar menos.

    Parabéns!!!

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Senhores, sou um poeta, um multipétalo, uivo, um defeito.
Sou um instantâneo das coisas apanhadas em delito de paixão.
Oh! Sub-alimentados do sonho...
A poesia.. é para Comer !!